SOMOS TRABALHADORES.

Postado: 16/06/2020

Entregador antifascista, Galo defende desmentir que são empreendedores: “Somos trabalhadores”

Com a intensificação do trabalho durante a pandemia, a superexploração pela qual passam os entregadores de aplicativos ficou ainda mais exposta à sociedade. Mas eles estão dando um basta. Está sendo convocada uma paralisação nacional da categoria para o dia 1º de julho. Surgiu o grupo Entregadores Antifascistas que já recolheu mais de 300 mil assinaturas em um abaixo-assinado em que pedem as mínimas condições de trabalho. “Aplicativos de entrega, distribuam alimentação e álcool em gel para os motoboys!” é o titulo da iniciativa voltado para este momento da pandemia. O idealizador do movimento e que promoveu o abaixo assinado é Paulo Lima, 31 anos, conhecido como Galo, morador da periferia de São Paulo.

Galo conversou a CSP-Conlutas e tocou real da crueldade imposta pelo sistema capitalista: “Não existe relação de trabalho com os aplicativos. Pra resolver nossos problemas na rua falamos com um robô, quando o robô não resolve nossos problemas quem resolve é um atendente de telemarketing, mas uma relação de trabalho não existe”.

Ele menciona que a maior dificuldade para a organização da categoria é se entender como classe trabalhadora. “A dificuldade de organizar o pessoal é por causa de uma mentira que foi contada pra gente, de que a gente é empreendedor, aí o pessoal não consegue se enxergar como trabalhador”.

Paciente, afirma que o movimento Entregadores Antifascistas quer ir devagar, caminhando passo a passo, e hoje estão focados em exigir alimentação para a categoria. É necessário lembrar que o presidente Bolsonaro retirou essa categoria dos que estavam aptos a receber o auxílio emergencial de R$ 600, o que os obriga a viver cada vez mais buscando entregas, uma vez que o aumento do desemprego obrigou muitos desempregados a buscar a entrega por apps como fonte de renda. Entre as empresas estão a Rappi, iFood, Loggi, Uber Eats, 99Food e James.

A variação do quanto tiram é alta. Alguns ganham em torno de R$ 50 por dia, poucos podem chegar de R$ 300 a R$ 400. Em geral trabalham de 12h a 14h diárias e têm de pagar o plano de celular, o combustível e a alimentação.

Entretanto a categoria não tem condições de comprar álcool em gel, máscaras meio a essa crise do coronavírus e arcar com a alimentação na rua.

Assim como muitos entregadores das regiões periféricas das cidades, o trabalho os obriga a percorrer quilômetros cotidianamente.

A organização e a luta desse setor têm ganhado visibilidade nas mídias de alguns dias para cá. Tudo indica que diversos grupos vêm se organizando ainda de forma fragmentada, mas começam a ganhar voz.

A CSP-Conlutas manifesta todo apoio e solidariedade a esses trabalhadores e se coloca à disposição para organização de iniciativas.

P: Como é relação de trabalho de entregadores de aplicativos? Qual é a forma de contratação e a remuneração? Piorou com a pandemia?

Galo: Não existe relação de trabalho com os aplicativos. Pra resolver nossos problemas quando estamos na rua falamos com um robô, quando o robô não resolve quem resolve é um atendente de telemarketing, mas uma relação de trabalho não existe. A pessoa se cadastra no aplicativo pra trabalhar, eles aprovam seu cadastro e você sai trabalhando. É um real por quilômetro, é assim que funciona. Com a pandemia a demanda aumentou pros restaurantes, mas pros entregadores caiu, porque o aplicativo triplicou o número de entregadores nas ruas. Nós estamos trabalhando mais e ganhando menos, por incrível que pareça.

E as empresas que produzem a comida, os restaurantes, estabelecem alguma relação com vocês?

Não tem relação com os restaurantes, a gente sabe que os restaurantes passam por dificuldade também enfrentam uma série de dificuldades com os aplicativos, porque o aplicativo tem uma alta porcentagem de todos os pratos de comida que vendem [os restaurantes], mas relação entre o entregador e o restaurante é breve, é só de retirar a comida mesmo.

Podemos afirmar que entregadores de aplicativos estão na classe do que se chama hoje de “novos escravos”, por trabalharem sem salários fixos e direitos?

Novos escravos, uma grande maioria é. Não só os entregadores. O pessoal gosta de usar esse termo ou neoescravidão pra entregadores. Pra nós entregadores, eu não gosto muito, é como se eu estivesse dando arma pro inimigo me ferir. O inimigo vai falar, ‘ah, não é escravidão, você pode desligar o aplicativo e parar no momento que você quiser, então, você não está preso, não é escravidão’. Eu diria que é um encurralamento. Esses aplicativos cercam o mercado e encurralam os trabalhadores pra virem pro aplicativo e aí controlam a coisa toda. Então eu prefiro usar o termo encurralamento.

Vocês reivindicam aumento do pagamento das corridas, aumento da taxa mínima, fim dos bloqueios e desligamentos indevidos, fim do sistema de pontuação e taxa de EPI (Equipamento de Proteção Individual). Não acreditam na possibilidade de pedir regulamentação do trabalho, com direitos?

Você vai perceber que diversos entregadores e diversos grupos tem revindicações diferentes. Todas são válidas e todas são necessárias. Aumento de taxas, fim de bloqueio, EPI, pontuação, que você precisa ter uma pontuação pra acessar lugares pra poder trabalhar. Isso tá muito errado. Mas nós Entregadores Antifascistas damos um passo de cada vez e o que estamos pedindo neste momento é alimentação. Nosso foco é alimentação. Outras lutas virão a partir dessa conquista aí, entendeu? A gente não está pedindo um monte de coisas, a gente tem um monte de coisas pra pedir, mas a gente focou todas as energias nisso porque a gente sabe o poder de capital que esses aplicativos têm e os advogados deles são muito bons pra derrubar liminares e projetos de lei, essas coisas.

O vínculo empregatício? Claro, bacana. Só que não é assim, o vínculo empregatício não vai ser construído de uma noite para o dia. Essa coisa foi bem montada, a gente vai construindo um rastro, pra provar que esses aplicativos têm responsabilidades com os trabalhadores e aí sim ir pra cima. Nós, Entregadores Antifascistas, acreditamos que é um passo de cada vez, a luta não é miojo, não fica pronta em cinco minutos. Então, a gente tem que seguir um caminho, um plano, uma trajetória pra atingir o foco que a gente quer. Por enquanto é comida.

O abaixo-assinado que você criou cobrando alimentação e álcool em gel para os entregadores, que já tem mais de 300 mil assinaturas. Qual a expectativa de assinaturas e de retorno dessa iniciativa?

Já passam de 300 mil assinaturas, mas sabemos que abaixo-assinado sem pressão popular não funciona muito bem. Então fazemos o abaixo-assinado e a pressão popular. Temos a nossa imagem do punho cerrado e a política de rua. Temos o nosso projeto de lei em andamento pra estruturar e pra anexar o abaixo-assinado dentro desse projeto de lei. Um dia, a gente vai conseguir ir a Brasília, protocolar e viabilizar essa vitória pra passar para os próximos passos.

Essa situação foi a causa da criação do grupo de Entregadores Antifascistas? Por que antifascistas?

Toda essa forma horrível de trabalho que tem aí, que explora, que oprime os entregadores foi o combustível pra criar os Entregadores Antifascistas. A ideia de ser o entregador antifascista é tanto a gente se proteger, auxiliar e agir como uma família, se cuidar, um estar preocupado com o outro e conectados. Por que antifascistas? Porque o fascismo é uma coisa que destrói coisas que não podem ser destruídas. Por exemplo, a democracia, se a gente não tiver democracia não vamos ter como gritar as nossas dores, a gente vai ter que abandonar a nossa dor um pouco, deixar a nossa dor de canto um pouco, a nossa luta, e assumir uma luta pra reestruturar a democracia para melhorar as coisas, ter direito de fala, ter direito de voz. O fascismo extermina o direito de fala, o direito de voz, extermina essas coisas bacanas que a gente precisa ter pra lutar e ir atrás dos nossos direitos. São direitos já conquistados na lei, mas foram suprimidos pelos aplicativos, por essa nova onda de ‘uberização’.

Sempre tivemos notícias de que há muita dificuldade de organizar trabalhadores de aplicativos. Esse feito da organização de entregadores nos parece uma primeira vitória. Mas quais as principais dificuldades que vocês enfrentam?

A dificuldade de organizar o pessoal é por causa de uma mentira que foi contada pra gente, de que somos empreendedores. Aí o pessoal não consegue se enxergar como trabalhador. Como é que você vai unir o pessoal pra lutar por uma causa trabalhista se não se enxerga como trabalhador? É preciso desconstruir as mentiras para o pessoal se enxergar como trabalhador, pra iniciar a luta. É um processo de desconstrução e construção muito forte. É mais difícil fazer a desconstrução do que iniciar a construção, porque acho que depois da desconstrução feita, o pessoal vai olhar e dizer, ‘é isso aí, vamos pra cima’. Por enquanto tem uma mentira muito forte, que é acreditada como se fosse uma verdade.

E a paralisação convocada para 1º de julho, qual é a expectativa?

A paralisação não fomos nós que organizamos, os Entregadores Antifascistas, também não sabemos quem organizou. Já pedi várias vezes, mas não tem um nome, também não querem ter. Mas acho louco, muito da hora. A gente vai estar junto apoiando, acredito nisso.

FONTE: http://cspconlutas.org.br/2020/06/entregador-antifascista-galo-defende-desmentir-que-sao-empreendedores-somos-trabalhadores/

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