VAMOS FALAR DE POLÍTICA? OS “PRIVILEGIADOS” E A PANDEMIA

Postado: 19/04/2021

Carteirada na vacinação se estende para o futebol sul-americano

CONMEBOL “fura fila” e providencia 50.000 doses de vacina contra a COVID-19 para clubes que disputarão suas competições em 2021 imunizarem seus “privilegiados” jogadores

“Sabe com quem está falando?...”

Creio que não há como não se lembrar desta pergunta, tradicionalmente feita por quem se considera “privilegiado”, ao se tomar conhecimento de que a CONMEBOL (Confederação Sul-americana de Futebol) irá receber milhares de vacinas contra a COVID-19, a serem aplicadas em jogadores e demais profissionais ligados ao futebol de clubes sul-americanos que irão disputar as competições por ela organizadas em 2021, enquanto os números de infectados e mortos na América do Sul se encontram em níveis altíssimos, e não dão sinais de retrocederem por tão cedo, e estando a vacinação, no continente como um todo, andando em marcha lenta (talvez a exceção seja o Chile, onde se encontra um pouco mais adiantada); pois esta pergunta é emblemática, na caracterização de um comportamento social autoritário e arcaico, e, obviamente, conservador - por “conservar”, em sua essência, um conjunto de relações sociais perverso e desigual, no qual acredita-se que algumas poucas pessoas tenham mais direitos do que outras, e, portanto, sejam “merecedoras” de privilégios.

Pessoas “privilegiadas” como os jogadores de futebol que atuam na América do Sul e que a CONMEBOL deseja proteger, a ela não importando se, ao serem vacinados antes de idosos e profissionais da Saúde, eles estariam passando à frente de pessoas que precisam muito mais da vacina, por serem mais frágeis, vulneráveis ou expostas à doença, e que deveriam ser prioritárias neste atendimento, mas que acabam sendo relegadas a um plano inferior numa escala social de importância.

Com isto, está sendo posto em prática o oposto do que o que foi e tem sido recomendado por especialistas em epidemia – infectologistas e epidemiologistas; sim, pois é fundamental ouvir, num momento gravíssimo como o atual, as orientações destes profissionais, pois “pandemia” pressupõe uma doença letal que atinge a todos e não distingue entre ricos e pobres, fazendo com que países inteiros, sociedades inteiras fiquem doentes, devendo, portanto, a prevenção e o tratamento serem adotados para a sociedade como um todo, e não apenas para alguns segmentos destas sociedades! Até porque só se atinge cobertura vacinal da COVID-19 e consequente controle da doença com pelo menos 70% da população de um país vacinada.

Afinal, o que faz com que empresários, como aqueles de MG que tentaram comprar vacina por fora, a um preço de trezentos reais a dose, de uma enfermeira trambiqueira e se lascaram, sejam merecedores de furar a fila da vacinação, e serem imunizados antes de idosos – que trabalharam a vida inteira, se desgastando para chegarem a uma idade avançada com problemas de saúde que os colocam no grupo de risco – ou antes de profissionais da saúde, que estão na linha de frente de combate à pandemia?

E não apenas eles, mas, pior ainda, os que conseguiram furar a fila, como parentes e amigos de funcionários de algumas prefeituras... em que são especiais?

E é por isto que agir como a CONMEBOL age é o mesmo que efetuar a pergunta característica dos que se acham / se sentem privilegiados! Neste caso específico, sabemos com quem – ou melhor, de quem estamos falando? Sim, dos jogadores de futebol!... E talvez de dirigentes de futebol, de funcionários de clubes e federações, pois, para piorar a situação, o número de doses “encomendadas” é absurdamente alto, uma vez que, se somarmos todos os elencos e funcionários de clubes e de federações, todos eles já seriam atendidos por menos da metade do total que foi acertado para ser entregue à CONMEBOL!

Só que esta é uma pergunta que, infelizmente, permeou a história do Brasil, desde o período colonial (sendo até difícil determinar com exatidão quando surgiu) até os dias atuais, com ênfase para o período da ditadura militar iniciada em 64, quando intensificou-se a prática de se querer colocar como um ser especial, acima de todos os demais, considerados inferiores, e querer obter, em função disto, vantagens indevidas na vida em sociedade, tais como estacionar em local proibido e... furar filas!

Por trás, como pano de fundo para estas atitudes, a crença sociologicamente equivocada de que há cidadãos melhores que outros, na nossa sociedade, que estariam acima do bem e do mal, que podem fazer o que quiserem sem medir consequências de seus atos, que tudo lhes é permitido, e que leis e certos deveres e obrigações não se aplicam a eles, apenas aos outros!

Cabe ressaltar que esta distorcida mentalidade conservadora antissocial, que se sagrou vitoriosa nas últimas eleições, é a que não é defendida e não gera um comportamento arrogante apenas por parte de autoridades, como o desembargador que, em Santos (SP), humilhou o guarda municipal que o autuou por estar sem máscara, ou amigos ou parentes de autoridades ou celebridades, ou até pelas próprias celebridades, como o pagodeiro que provocou aglomeração ao realizar show em escola na Maré para uma gravação de um programa de TV de um conhecido apresentador e foi detido pela polícia, ou o jogador de futebol encontrado aglomerado com outras tantas pessoas em um cassino clandestino, ou o jogador de futebol que, diagnosticado positivo para a COVID-19, foi ao mercado com a mãe e atropelou um rapaz; mas até mesmo por parte de pessoas que se sentem “superiores” simplesmente por terem diploma de ensino superior, como a mulher que, estando junto ao seu marido, um engenheiro civil, ao ver que ele foi parado por um agente de saúde por não estar usando máscara, ficou indignada quando o agente chamou seu marido de “cidadão”: “Cidadão, não, engenheiro civil! “

Na verdade, como já disse alguém, o que talvez seja capaz de incomodar mais não é nem o ato de burlar a fila da vacinação por parte dos “privilegiados”, mas sim o silêncio de todos os demais cidadãos honestos, que aguardam pacientemente sua vez de serem vacinados; onde está a indignação de toda uma sociedade?

Será que, fora alguns protestos isolados, não vemos um protesto forte, contundente, da sociedade como um todo porque parte considerável desta sociedade elegeu esse conservadorismo fundamentalista de extrema-direita? Um conservadorismo que prega o individualismo excessivo, sem um mínimo de consciência social, preconceitos diversos, a falta de empatia com outros seres humanos?

Será que esses eleitores de extrema-direita não condenam tentativas de burlar as medidas de prevenção da pandemia porque eles mesmos não gostam de segui-las e não se incomodam se muitos mais morrerem?

Será que pensam e agem assim porque, se pudessem, eles também iriam furar a fila de vacinação? Do mesmo modo que, se fossem ricos ou influentes politicamente, não abririam mão de seus privilégios?...

Em um país como o Brasil, em que a maioria esmagadora da população é composta por pobres, muitos dos que elegeram essa extrema-direita que está no poder são pobres.

Ocorre que a extrema-direita só representa os interesses dos ricos e dos poderosos, menosprezando, para isto, se necessário for, questões de interesse nacional, tais como a defesa do meio-ambiente e a vacinação em massa da população contra a pandemia.

E é por isto que os assim chamados “pobres de direita” devem parar de se sentir inferiores aos que são por eles admirados e colocados em pedestais (algo como o “complexo de vira-latas” a que Nelson Rodrigues se referia): militares, políticos de direita, líderes religiosos, jogadores de futebol, celebridades... e entender, de uma vez por todas, que, para que haja a ordem na sociedade e o progresso para o país que eles tanto defendem, é preciso que haja um mínimo de justiça social, que garanta que eles tenham o mesmo direito de acesso à vacina que seus ídolos e mitos!

E não apenas isto, evidentemente, mas acesso à saúde como um todo, à educação, ao transporte, a bons empregos etc

Porque “privilégio” de verdade é viver numa sociedade na qual deveres e direitos sejam iguais para todos, sem privilégios!....

Marcelo Barroso Alves Pessoa é assistente em administração e representa os técnicos-administrativos em alguns conselhos da UFRRJ e na CPA

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